O QUE É VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA?
- Magda Miranda
- 18 de fev. de 2022
- 5 min de leitura

A violência obstétrica é caracterizada por abusos sofridos por mulheres, o que pode incluir violência física ou psicológica, quando procuram serviços de saúde durante a gestação, na hora do parto, no pós-parto ou em situações de abortamento.
O QUE CARACTERIZA A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA?
Segundo publicado na cartilha ANADEP – “em defesa delas” da Defensoria pública do Estado do Rio grande do Sul:
“São condutas praticadas por qualquer profissional de saúde que de forma verbal, física ou psicológica afetam a mulher durante a gestação, no pré-parto, parto, no período de puerpério, ou ainda em situação de abortamento. Esse tipo de violência caracteriza-se pela apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres. Isso causa perda da autonomia e pode impactar negativamente na sexualidade e na qualidade de vida das mulheres, sendo ainda umas das causas de mortalidade materna e neonatal.”
Entre as práticas mais comuns, estão:
Xingamentos e humilhações durante o parto;
Recusa de atendimento;
Recusa em sanar dúvidas da paciente;
Realização de intervenções e procedimentos médicos invasivos, desnecessários e sem autorização, como uso de ocitocina- “sorinho”, exames de toque a todo instante e por profissionais diferentes, episiotomias, manobra de kristeller (empurrar a barriga) e cesáreas desnecessárias;
Não fornecer analgesia quando solicitada pela gestante;
Impedir a livre alimentação, ingestão de líquidos ou movimentação durante o trabalho de parto; • Separação do bebê saudável e da mãe no pós-parto;
Não autorizar um(a) acompanhante de livre escolha da mulher no trabalho de parto (assegurado pela Lei 11.108, que existe desde 2005).
De acordo com o Núcleo de Mulheres da Câmara Municipal de São Paulo, na maior parte dos casos, esse tipo de violência é caracterizada pelos seguintes atos:
negação – negar o tratamento durante o parto, humilhações verbais, desconsideração das necessidades e dores da mulher, práticas invasivas, violência física, uso desnecessário de medicamentos, intervenções médicas forçadas e coagidas, detenção em instalações por falta de pagamento, desumanização ou tratamento rude;
discriminação – baseada em raça, origem étnica ou econômica, idade, status de HIV, não-conformidade de gênero entre outros;
violência de gênero – afeta mulheres pelo simples fato de que apenas as mesmas passam pela experiência da gestação e do parto, ou seja, refere-se a atitudes desrespeitosas que podem estar relacionadas a estereótipos ligados ao feminino;
negligência – impossibilidade de prover mãe e bebê com o atendimento necessário para garantir a saúde de ambos. Nesse sentido, a violência obstétrica está relacionada não apenas ao trabalho de profissionais de saúde, mas a falhas estruturais de clínicas, hospitais e do sistema de saúde como um todo.
QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS TIPOS DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA?
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NA GESTAÇÃO
Negar atendimento à mulher ou impor dificuldades ao atendimento em postos de saúde onde são realizados exames de acompanhamento pré-natal. É importante notar que, no Brasil, toda mulher tem direito a um pré-natal de qualidade, visando a saúde e o bem-estar dela e do bebê;
Tecer comentários constrangedores a mulher, em vista da sua cor, raça, etnia, idade, escolaridade, religião ou crença, condição socioeconômica, estado civil ou situação conjugal, orientação sexual, número de filhos, entres outros;
Ofender ou xingar a mulher ou sua família;
Negligenciar o atendimento de qualidade;
Agendar cesárea sem recomendação baseada em evidências científicas por conveniência do médico. Vale acentuar que o Brasil é o líder mundial quando se trata de operações cesarianas, indo contra recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NO PARTO
Peregrinação por leito, ou seja, quando ocorre a recusa da admissão em hospital ou maternidade;
Impedir a entrada de acompanhante escolhido pela mulher;
Procedimentos que causem dor ou dano ao corpo de uma mulher, dentre eles: uso de soro de ocitocina para acelerar o trabalho de parto por conveniência médica, exames de toques sucessivos realizados por diferentes pessoas, privação de alimentos e líquidos, realização de corte vaginal (episiotomia), imobilização dos braços e pernas;
Todas as ações verbais e comportamentais que causem na mulher constrangimento, sentimentos de inferioridade, abandono, vulnerabilidade, insegurança, ludibriamento, alienação, perda de integridade, entre outros;
Realização de cesariana sem indicação clínica e sem consentimento da mulher.
Em vista da violência obstétrica nos partos comuns, muitas mulheres aderem ao parto humanizado, que acontece com o mínimo de intervenções médicas e deixa que a mulher assuma o seu protagonismo.
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NO PÓS-PARTO
Impedir ou retardar o contato do bebê com a mulher logo após o parto;
Impedir o alojamento conjunto do bebê e da mãe, levando o recém-nascido para berçários sem necessidade, apenas por conveniência da instituição;
Impedir ou dificultar o aleitamento materno, coibindo a amamentação na primeira hora de vida, afastando o recém-nascido da mãe, levando-o para berçários onde serão introduzidas mamadeiras e chupetas.
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA EM SITUAÇÕES DE ABORTAMENTO
Negativa ou demora no atendimento à mulher em situações de abortamento. Vale lembrar, que o abortamento é uma das principais causas da morte de mulheres registradas no Brasil;
Questionamento da mulher quanto à causa do aborto, ou seja, se é intencional ou não;
Realização de procedimentos invasivos sem explicação, consentimento ou anestesia;
Ameaças, acusações e culpabilização da mulher;
Coação com finalidade de confissão e denúncia à polícia da mulher em situação de abortamento.
QUAIS AÇÕES SÃO CONSIDERADAS COMO BOAS PRÁTICAS DE ATENÇÃO AO PARTO E AO NASCIMENTO?
Em 1996, a Organização Mundial da Saúde (OMS) desenvolveu uma classificação das práticas comuns na condução do parto normal, orientando para o que deve e o que não deve ser feito no processo do parto.
É importante frisar, que tal classificação foi baseada em evidências científicas concluídas por meio de pesquisas feitas no mundo todo.
Isso posto, de acordo com a OMS, são consideradas “práticas demonstradamente úteis e que devem ser estimuladas” a adoção dos seguintes procedimentos:
plano individual determinando onde e por quem o nascimento será realizado, feito em conjunto com a mulher durante a gestação e comunicado ao companheiro;
avaliação do risco gestacional durante o pré-natal, reavaliado a cada contato com o sistema de saúde;
respeito à escolha da mãe sobre o local do parto;
fornecimento de assistência obstétrica no nível mais periférico onde o parto for viável e seguro e onde a mulher se sentir segura e confiante;
respeito ao direito da mulher à privacidade no local do parto;
apoio empático pelos prestadores de serviço durante o trabalho de parto e parto;
respeito à escolha da mulher sobre seus acompanhantes durante o trabalho de parto e parto;
fornecimento às mulheres sobre todas as informações e explicações que desejarem;
oferta de líquidos por via oral durante o trabalho de parto e parto;
monitoramento fetal por meio de ausculta intermitente;
monitoramento cuidadoso do progresso do parto, por exemplo, por meio do uso do partograma da OMS. De acordo com o Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente da FioCruz, o uso do partograma é recomendado também pelo Ministério da Saúde do Brasil e pela Federação Brasileira das Associações de ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO).
monitoramento do bem-estar físico e emocional da mulher durante trabalho de parto, parto e ao término do processo de nascimento;
métodos não invasivos e não farmacológicos de alívio da dor, como massagem e técnicas de relaxamento;
liberdade de posição e movimento durante o trabalho de parto;
estímulo a posições não supinas durante o trabalho de parto;
administração profilática de ocitocina no terceiro estágio do parto em mulheres com risco de hemorragia no pós-parto ou que correm perigo em consequência da perda de até uma pequena quantidade de sangue;
condições estéreis ao cortar o cordão umbilical;
prevenção da hipotermia do bebê;
contato cutâneo direto precoce entre mãe e filho e apoio ao início da amamentação na primeira hora após o parto, segundo as diretrizes da OMS sobre aleitamento materno;
exame rotineiro da placenta e membranas ovulares.
O QUE FAZER EM CASO DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA?
Caso a mulher venha a sofrer violência obstétrica, é possível realizar uma denúncia.
Para isso, existem os seguintes canais e instituições:
Central de Atendimento à Mulher – pelo número 180;
Disque Saúde – pelo número 136;
Agência Nacional de Saúde (ANS) – por meio do Disque ANS 0800 7019656;
Defensoria Pública – independente se você utilizou o serviço público ou privado de saúde;
Secretarias Municipal, Estadual ou Distrital;
Conselho Regional de Medicina (CRM);
Conselho Regional de Enfermagem (COREN) – quando a abordagem violenta venha de enfermeiro ou técnico de enfermagem.
Por fim, a vítima pode fazer a abertura de um boletim de ocorrência (BO) e acionar o Ministério Público.
Nesse contexto, ela pode contar com o auxílio de um advogado ou defensor público.
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